sábado, 10 de dezembro de 2022

JOSÉ, JÚLIO, JORGE

A noite é imprecisa
navio na corcova
do camelo
o Homem se abriga
na tempestade
de si mesmo.

Dois
o Deus e Ele
entre os raios
procurando
os dias no espelho.

A sorte é escondida
enguia em meios às algas
pesadelo
o Homem se acredita
náufrago do naufrágio
de si mesmo.

Pelas ruínas
-- cego --
circulares
lendo labirintos
com os dedos.

A morte é esquecida
memória contrária do começo
o Homem se multiplica
no mito, no ídolo, no avesso.

E é o Tempo
espuma
sobre os mares
-- congelado --
um só segundo
único e espesso.

terça-feira, 14 de junho de 2022

OCEANO VAZIO



Meio-dia e eu sem sombra

fantasma

bem debaixo do sol

piso cacos de espelho

cristais sem calor



porque quero saber

onde vai desaguar você

em que delta ou floresta

deste vasto planeta.



A areia em festa

se infiltra

pelas frestas do mar

toda onda de engole

e eu me trago a mim



porque quero saber

onde vai desaguar você

escorrer do seu leito

em mistério

prum oceano vazio?

sábado, 11 de junho de 2022

PANFLETAGEM

Panfletos na cidade
sem querer
vieram me informar a última
solução
chegou um astrólogo famoso da TV
que diz poder resolver
qualquer questão.

Eu disse, irmão, você tem que me ajudar
eu dei um nó no cobertor
e agora não dá mais
pra acobertar.

E ele disse, certo, vou fazer
tudo que estiver ao meu alcance
por você
diga mês hora e ano de uma vez
depois grite bem alto 33.

E eu disse, irmão, você não me entendeu
eu não peguei pneumonia
o cobertor não era meu.

E ele disse, sinto muito
mas seu tempo se esgotou
deu Vênus e Marte
nas casas V e VI,
escorpião virgem
centauro alto e louro
leão na selva, terra e fogo
o mar e peixes vezes 10.

sexta-feira, 3 de junho de 2022

VALSA FALSA

Inquietação,
me leva a içar
as velas
no meio do furação,
achando que os céus
de valsa do meu sonho
são reais.

O porto é mais que um vão
distante, inacessível
no vento, em seu ruído,
descansa
o meu corpo
capataz
a me lançar uns versos
miseráveis:
tanto apelo
e não te esqueço
corto os fios
do desejo
mas ele continua aceso,
cruzo os dedos
me arrepio
sem razão.

Tentação
me leva a pisar
na nuvem que há no chão,
descalça,
pensando que os teus pés
ali também estão.

Mentiras são as linhas
que costuro, teias fáceis
de quebrar.

Me leve desse mar
me alcance algum lago,
um lar, um vago coração.

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sem melodia - ainda

3 jun. 2022

segunda-feira, 16 de maio de 2022

SEI BEM

Bem sei
que teu amor eterno sumiu
num vendaval
e a dor te consome
sem remédio, o peito a latejar
de dor que escorre no teu colo
travesseiro, teu lençol

Que sei dizer?
Nada que eu faça ou diga
vai trazer o sol que se escondeu
eclipse, tragédia e drama
tudo que habita tua cama
bem sei

Sei bem que teu coração é um portão
de aço, que a solidão é fácil
constante, dormes ainda
na única camisa que ficou
no cheiro que as flores têm
no desenho de um caminho.

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sem melodia - ainda

26 nov. 2021

SOLIDÃO DOS PORTOS

Na soma dos vazios
entre nós
nada se perdeu

Morei de favor
no quarto escuro
de seus olhos
por um dia, por um mês
que diferença faz?

Deixo o beco
desço a escada
com a roupa que cheguei
não levo nada

Nem lágrima, nem sorriso
sequer preciso de adeus

Em um futuro
talvez você
ao contar qualquer história
com esforço lembre
de meu nome tão feroz

Que apesar do esforço
firme e bem marcado
sempre foi pronunciado
sem sombra do que sou

Não importa
todo amor quando ele é dado
faz mais forte o coração
lava a solidão dos portos

Hei de cantar
a canção dos desatentos
em acordes sem lamento
uns maiores, uns de menos
um tom acima do que aceita
a garganta

Agora é noite
a lua sobe, o céu enfeita
se era estrela, se cometa
mergulhou pra nunca mais.

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sem melodia - ainda

30 nov. 2021

FIO

Não quero o fim
eu quero o fio
invisível que se tece
entre as retinas

Sem finais felizes ou infelizes
eu quero o fio
que antes de tocar
arrepia cada poro, cad a pelo

Não quero que termine
sequer sei se quero um início
eu quero o fio
sem desatar

Eu quero o fio que segue
teu coração a cada batida
do meu
não quero pensar
o que há depois ou antes
da matéria

Eu ouço tuas veias
sinto teu peso
vejo quem é você
e sei que não é um espelho

As flores que eu beijo
em pleno voo, vou até
onde não vejo
quem é você.

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sem melodia - ainda

31 dez. 2021



SEM MAIS

Não tem mais jeito
você pensou, mas errou
quando achou que eu ia
derreter, sumir, se livrar
de sentir, você errou
se imaginou que eu ia evaporar
que não ia sentir tanto assim
tanta saudade do que não
se deixa viver.

Não tem final
você errou, não tem fim
quando assumiu não amar
o meu destemor, meu amor
você errou ao apostar
que eu ia ceder, me armar,
se inventou que não havia
céu ou luar que fosse lembrar
de mim, errou.

Os pássaros ao amanhecer
refletem nas asas
as luzes do arpoador
são sinais ainda assim
do que não teve começo ou fim
terá, porque há de ouvir
minha voz ascender
e virar mel e jasmim
apavorar você, trazer paz
quiçá um novo coração
sem mais.

Sou capaz de arder nos seus olhos
e mesmo sem admitir
entrei nos seus mundos
por tantos portais
chego a dar mais,
dou mais do que quem
lhe deu tudo, somos iguais
quando os ponteiros
se encaixam nos décimos
de segundo.

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sem melodia - ainda

24 abr. 2022

FAZ FAVOR

Saudade boa
o coração à toa
ignorando quilômetros
o peito cheio de assombros
e quase paz
os olhos mareados
compreendendo o raro

Faz favor
não deixa quieto
alimenta o ritmo do afeto
me dá a boca
me olha
olhos de cobra e mel
deixa a palavra aflita
ganhar o mundo
e me diz
te amo.

PALMOS

Um palmo abaixo
do umbigo
um palmo à frente
do nariz
você enxerga
é seu limite
o resto é condição

Se você diz
que é feliz
só quando arranja
confusão
se seu amor
tá por um triz
quem desligou
a contramão?

Um palmo além
do que lhe digo
um palmo atrás
no pensamento
você não ouve
e o não havido
é outra direção

Se você move
um universo
a cada vez
que se seduz
se mora perto
de uma luz
quem desligou
os meus sentidos

Um palmo acima
desses versos
as plantas crescem
no jardim
você não vem
e eu não indo
é toda condução

Não pense
que não falo sério
só quando rio
é solução
se falo muito
e nada espero
só minto
e minto
sem razão

A emoção
é outro mito
outra abstrata
construção

Me desconstrua
com seu medo
e nada mais
será segredo

E tudo ao lado
da vontade
e nada mais
será verdade
e tudo ainda
será feito.

NÃO HÁ

Haverá diamante
que brilhe mais
que teu olhar?

Nem nas minas da África
nem no chão de Sabará

Haverá cetim ou seda
mais macia
que a pele
que te veste?

Nem no Leste
nem no Leste

E eu aqui fico rimando
a saudade com a vontade
de te ver
lembrando que bem cedo
logo quando o sol sair
vou partir
pra te encontrar

Haverá fruta madura
com o gosto
da tua boca?

Nem maçã, nem graviola
nem caju, nem araçá

Haverá cheiro de chuva
ou perfume do Oriente
como o do amor da gente
do amor da gente?


E eu aqui fico rimando
a saudade com a vontade
de te ver
lembrando que bem cedo
logo quando o sol sair
vou partir
pra te encontrar
vou partir.

BRUMAS

Vejo-me à luz das fogueiras
que ardem
marcando um novo verão

As cordas da harpa
vibrando
nos dedos da deusa
a mãe de Avalon

Uma ilha perdida
nas brumas do lago
que só se revela
a quem possuir

Os dons da magia
da sabedoria

Druidas e fadas.

CANÇÃO DO ESQUECIMENTO

Amei demais
podia até dizer
que não gastei
do coração
mais que uma
parte

Mas aí
eu mentiria
pois todo ele
bate agora
devagar

Ou mais depressa
enquanto te vejo
enquanto a boca
cale o que eu sentir

Palavras
todas
quase
no passado
ou no futuro

Distância
esse espaço aqui
não suportável

Um cosmo, caos
total
organizado
de acordo
com o rastro
de seus olhos

Se penso em morrer
um dia
por acaso
se nada mato
e amor ainda basta

Bastante tempo
ainda haverá
até que esqueça
e nesse dia

Então
total a perda
canção
de esquecimento
e esquecida.

VELOCINO V

para Caetano Veloso

O seu canto
é cada vez
mais uma
oração

Ao não
dito
ao não
dizer
o indizível
fala mais
ouço seu grito
ecoando
e ele diz
e não diz
não

Como a voz
se anjo
entre outros
tantos
torto

Se a voz
é luz
farol e porto
próximo e distante
o sol é onda
circulando
no seu corpo

O seu canto
é cada vez
mais uma
oração

Ao que quero
e ao que
não
procuro
o deus
em seu mistério
sonho inverso
onde vejo
e ele é
e não
é não.

VELOCINO IV

para Caetano Veloso

Nada mais bonito
emotivo
que ver quando sua palavra
abarca o ritmo
do universo
do eterno sismo
que abala o peito

A nau
caravela
argonauta sem trégua
terra, pra que te quero?

PRIMEIRO PLANO

O que eu tinha a dizer
o vento veio e cobriu
com seu discreto grito
suave
líquido

O que seria fala
o sol veio e levou
na sua língua de fogo
de manhãzinha
logo

O que eu tinha a dizer
o tempo veio
e partiu
levando em seu silêncio
a memória e o verso

O que seria dito
sem aviso
o mar tragou
deixando sal e pedra
na boca aberta
a espera

Não ousaria o riso
o histérico rito
a grande gargalhada
não trairia em gesto
a forma sutil
do medo
do nada
da alegria
calava

E calada
e calada e fria, fria
traço um plano
imagino um jeito
de nunca mais
dizer te amo

E calada
e mais calada ainda
enfrento esse fracasso

De mesmo calada
de mesmo cansando
repetir que amo

Tanto.

FACES

Quantas faces?
Tuas duas
mil
ora cão e enlace
e ao mesmo tempo
deus
e seus disfarces
pra ser logo eva
e homem
criação
linguagem
coragem
que se pinta
vai até o fim

O risco
é o que agrada mais
seu coração.

O risco
é o que agrada mais.

VELOCINO III

para Caetano Veloso

Doutor em assuntos
sem cabimento
costura um discurso
sem alento
em silêncio

Em complicadíssimas cenas
de casamento e ciúme
e tantas mais

Seus temas são serenos
e violentos
sentimentos
sem ódio
são atentas
todas as palavras

Seus temas são o pão
e seu fermento

Tem terra nas veias
e olhar de trigo
dançando
na paisagem do vento

Tigre
leão na savana
espelho de imagem
que se espalha
no tempo

Esfinge
marcando o deserto
e oásis
miragem
que eu simples
invento.

AFRODITE

Quase crise
quase hepatite
se você vai rir
não conto mais

Fiz plástica nos seios
nos quadris e no apetite
coitada da afrodite
que me viu
virou rapaz

Ando pouco louca
não venha me cobrar
razão

A roupa da imagem
pago à vista
digo aquilo
que me dá tesão

Quase gripe
quase meningite
se você vai rir
me deixe em paz

Sou plágio de mim mesma
sou artista que se assiste
e em pleno show desiste
quebrando a televisão

Ando muito louca
já basta de me dar razão
à margem do estilo
tido um dia de delírio
pra comer com as mãos.

TEIMOSIA

Foi pura teimosia
se eu disser que havia
nos seus olhos
desejo
no brilho amarelo
dessas pedras semi-
preciosas, mentiria

Lá não havia nada
que eu queria, viu?
Mas eu precisava acreditar
nesse amor

Não era guerra
entre o quente e o frio
escorria, pequeno
o beijo, o vinho, a fantasia
eu me lembro

Não houve nada
quando eu disse
o quanto amava, não,
por isso agora
essa canção

Pelo menos
inspiração
paixão sublimada
em palavra e melodia
lágima imaginária
desinventando a solidão.

TODO ME GUSTA

Essa postura além
do teu retrato
eu consigo captar
muito bem
a luva desenhada
a mão
a curvatura suave
do braço
repousado
o nariz arrebitado

Todo me gusta mucho
todo mucho me gusta
la luz allende del ojos
una barca em lejana ruta

E fiquei contrariada
olhando a foto
numa mesa de bar
depois da sétima cerveja
comecei a ter certeza
que não ia escapar
da tua boca
quase se movendo
o brinco estranho
o branco do blusão
o cabelo arrepiado
o queixo
levemente
apoiado na mão.

DISCURSO

Grite, cubra a cabeça
vire pro outro lado
esqueça
se quiser falar
me ligue quinta ou sexta
sábado tem uma festa
onde eu posso estar

Ou quem sabe algum garçom
num bar
lhe entregue meu bilhete
no jornal do dia sete
pode procurar

Tô na página classificados
tentando um rápido contato com você
meu nome tá codificado
pra ninguém mais saber

Diga tá tudo certo, chato, perto
de concreto o que eu posso fazer?
fora rir, sair na hora, voltar tarde
e sem memória um mês depois pra ver

Que o tempo tudo transformou
até a cor do seu relógio mudou
ficou mais difícil compreender o óbvio

Tudo é troco, troca, triplicado
complicado tubo de televisão
nosso amor já deu até no rádio
como um caso estranho de paixão.

SENSO DE EMOÇÃO

Já não existe mais
aquele tal parque de diversão
a essa altura todo humor, amor
mudou de cor

Já não faço rock algum
mal executo um iê-iê-iê comum
sem senso de emoção

O que era igual e um
partiu-se em mil
e nessa divisão
coube a você e a mim
a parte afim da solidão

Ninguém jamais reclamou
desde o início
o compromisso
era não ter
compromisso algum

Nossa história era um risco
uma pergunta a mais
uma proposta de riso
que já não se faz.

SENSO DE AMOR

Você está se divertindo comigo
que é que você quer mais?

Amor amigo
de nenhum compromisso
e pra mim tanto faz

Curtimos rock, um cinema, brilho
de olho no olho, mar
subterrâneos, trens de todos os trilhos
fugir na hora H.

Senso de humor faz nosso estilo
me responde o que você quer mais
o que tiver faltando a gente faz.

INTIMIDADE

Esquecer a data do começo
a cara, a voz, o endereço
é o avesso da paixão

Deixar passar em branco o aniversário
jogar fora o diário
em forma de coração

Rasgar em mil pedaços o retrato
aplaudir o fim do ato
esquecer que está no palco
que amou

Rir prensando um dia ter brigado
por ciúmes ter quebrado
seu relógio-rádio e despertador

Ser para você uma estranha
trocar o colchão da cama,
o lençol, o cobertor

por tanto pranto processar seus olhos
querer que indenize sonhos
que você mesmo sonhou

Queimar todas as cartas, os bilhetes
pra depois de alguns meses
ver bater de novo
forte o coração

pedir perdão então pelo desprezo
pra voltar mesmo com medo
é o aveso do avesso da paixão.

LIMITES

Que negócio é esse
de limites
que a vida nos impôs?


Bem me lembro
nasci livre
compromisso só
muito depois


Já virei, desvirei a mesa
acredito em superstição
e a bola de cristal
diz que eu preciso é de um beijo


Não desisto, insisto
todo dia
pra gente ser feliz
mas você não liga
eu me dano, eu me mudo
pra um outro país


E aí, quero ver você
seus limites e tudo mais
vão servir pra nada nãos
e restrições
e a bola de cristal
diz que eu preciso é de um beijo.

ARCO DO OLHO

Sempre alerta
é uma seta teu olhar no arco do olho
quando quer me fotografa o coração
nunca mágoa, água
nunca arco-íris
nunca lágrima de cor
quando é noite
dorme o sono mineral
das coisas livres
livres.

PLANOS DE VERÃO

Não quis saber jamais
da calma das estrelas
o que fascina mais
é o corpo em movimento
aos olhos do momento
no porto da cidade
do mar que cria à tarde
planos claros do verão

Eu mudo de emoção
no meio da tristeza
já não cabendo mais
o sol em movimento
aos olhos do momento
nos morros da cidade
de onde se tem à tarde
planos claros do verão.

PROHIBIDA

Eu sou errada
sou pecado, proibida
maçã mordida
e veneno, sou a morte

Hoje sou vítima
amanhã serpente
constelação de hidra
linda
armando a sorte

Eu chego perto
você eriça o pelo
a pupila se dilata
eu sinto um certo cheiro

É o medo misturado ao sangue
em sua veia, dose dupla, dupla e meia
de desejo

Eu tenho raça
nunca pulo do edifício por um riso
mantenho a calma
não apresso o passo até o precipício

A noite cresce fora desse quarto
a lua é um crescente branco
fico inteira dentro desse abraço
vidro, aço, fera, pássaro
feroz, manso.

PAR RARO

Morro de rir, morro de achar graça

Chegue aqui mais perto
mostre seu coração
que plástico mais fraco
que cor era o vulcão?

Não estrague a farsa
que acabei de tecer
Penélope no espelho
desprezando o prazer.

Ahahahahaha

Morro de rir, morro de achar graça

Vi aquela carta
quando caiu no chão
você é ás do truque sujo
e não vale um tostão
derretido plástico
não faço alusão
chiclete, black, par raro
na contramão

– Pare esse carro!

Morro de rir, morro de achar graça.

GARANTIA

Já deixei de procurar por mim
em todo coração
normal que esteja afim
de mais que possuir
alguém
trocar prazer, tocar a emoção
então melhor lhe dizer

Não

Vou sumir
vou estar sempre aqui
nem sempre tão normal
se você insistir
pode até ser cruel
ninguém vai garantir
que o bem é isso, assim
que é de outro jeito o mal
se é começo ou final.

SINÔNIMAS

Quando você não quer
não posso
se eu entrego
você dá
meu objeto é seu propósito
e há tanta música no ar

O meu perfume é o nosso
se eu tô pensando
você faz
você foge, eu me escondo
quero tudo
e você mais

Eu prefiro seu inverso
meu avesso é o seu ideal
aí eu acho o erro certo,
certo

Achar “O Quereres” bonito
ter prazeres tão iguais
os desejos tão sicrônicos
são sinônimo de-mais

Se eu me olho no espelho
você vem se refletir
seu grito no pesadelo
faz meu sono estremecer

Eu prefiro seu inverso
meu avesso é o seu ideal
aí eu acho o erro certo,
certo.

TAMBORES

Tantas manhãs iguais
repetimos demais
sempre as mesmas palavras
dizer

Corações colossais
nos desfiles de paz
são tambores reais
a bater

Esse papo é uma dança
dois prum lado, um pra trás
quem não dança se cansa
quem se apressa anda mais

Todos meros mortais
falhas de Deus e pais
separados pretendem viver

Entre e prédios a gás
são concretos casais
são bonitos demais de ser ver

Esse passo me cansa
o respeito, o sinal
quem se engana protesta
que se apressa faz mal.

TOQUE

Mais que qualquer coisa
quero dar um toque
antes de mais nada
quero lhe dizer
a gente já ultrapassou
a forma normal do amor
telepáticos, lunáticos
somos um só

Um total domínio
sobre toda imensidão
um controle que a gente exerce
sem saber porque
e você nem se tocou
que essa forma do amor
é onde não há mais nenhuma
solidão

Sem eu dizer
você ouviu segredos
seus medos, seus anseios
eu li, em algum lugar
e você nem se tocou
não há mais nada pra rolar
pra rolar.

MR. BROWN

Mr. Brown, Mr. Brown, Mr. Brown
tá na esquina de capote e de chapéu
pasta 007 na mão
um cigarro entre os lábios
um pé na parede, outro no chão.

Mr. Brown, Mr. Brown, Mr. Brown
sempre perfeito nesse seu papel
de agente federal, FBI e companhia
quem iria resistir à sua voz de prisão?

Mr. Brown, Mr. Brown
transformista em trânsito
transação
desfile de máscaras
tudo que entre aspas causa
sensação.

SAMBA-PROPOSTA

Escuta, me escuta
o que eu tenho a fazer
é um samba-proposta
é um samba que possa
na hora
da nossa
separação
dizer que foi tudo um engano
de público admitir que esse ano
ainda não deu, mas quando

For hora de vir, voltar
for hora de retornar
for hora de acabar
com esse adeus
eu não vou nem telefonar
eu vou fazer uma surpresa

Agora eu entendo
eu não soube fazer
talvez você possa
na hora
da nossa
separação
ouça
tente explicar
se faltam palavras
se tremo, me engano
se não tenho um plano
se amo, não amo
não importa
essa proposta
ainda estará no ar

Na hora de vir, voltar
na hora de retornar
na hora de acabar
com esse adeus
eu não vou nem telefonar
eu vou fazer uma surpresa.

VELOCINO I

para Caetano Veloso

Ele é um gênio
eterno senso de beleza
corre fácil os olhos
pelas folhas todas as certezas
faz tanta coisa pra brilhar-em
outras estrelas

Ele canta as vacas
as profanas
descobertas
o homem em pé
na lua
o menino na rua
ouvindo quase morto
o alto-falante, a Tropicália
o porto
de argonautas
celacanto.

Canta lindo a fé
e os males da Bahia
ele fala até
da seda azul que havia
vê os trens, a ganância
os normais
uns assim, outros iguais a mim
descobrindo à noite
o negror
da pena do pavão

Homem-tambor
antena e motor
retina atenta à luz

Apreendendo o momento
o movimento, a criação
sempre mágico imprime
ao fim da tarde um tom
de jambo, rouge, amora
quando canta se enamora
quase cora
de emoção

Sete, vezes sete mil, vez sete
sob o sol e a lua
a música doce e nua
onda de ternura
pelos campos
miúra apaixonado
em seu espanto
derrubando as cercas
todas as paisagens úteis
precisamos ser trust
precisamos trustes
precisamos ter que confiar

Hah!
E você ainda aí
dizendo shit
inconsolável
censurando a censura

Convencendo o tempo
com uma rima
se queixando às gueixas
às princesas
se entregando
ao vinho ao vício
das paixões
abrindo as portas
as janelas, labirintos

Tecendo o fio íntimo
íntimo entre os silêncios
e os sons

Querendo sem querer
querendo a lua
de outra língua
o brilhos além
shy moon
da lua tímida

Além dos limites da intriga
gossips, no!
Homem-comum

E eu nunca mais
iria terminar
“some may like a soft brazilian singer”.

O CULPADO É O MORDOMO

Você
só sabe ser assim
vive de fazer
aeromodelito

E passa
o dia no jardim
mangueira, sol
campim
você e seus brinquedos

Diz sempre não saber de nada
que já tá mesmo é cansando
e que o culpado é o mordomo
e o culpado é o mordomo.

Você
de óculos escuros
andando entre a fumaça
dos escombros do mundo
sobrevivente do futuro
imagem de estúdio
video-clipe, clip, clip, clip

Diz sempre que eu estou errada
regra é excesso de absurdo
e o culpado é o mordomo.

AQUI PRA VOCÊ

Você tá sempre
com essa cara de abuso
e eu me recuso
a ter que lhe aguentar
eu sinto muito
mas nesse parafuso
ninguém
ninguém
me obriga a entrar

Fale alto
quero ouvir direito
e não vale tentar
me beijar
aqui pra nós
pra todos os efeitos
sou imune ao seu olhar

Você nem sabe
e assim mesmo apaixona
atira bomba
no meu coração
também me quer
e fica com essa onda
a quem
a quem
você pensa que engana?

Fale alto
quero ouvir direito
e não vale tentar
me beijar
aqui pra nós
pra todos os efeitos
sou imune ao seu olhar.

MELODRAMA

Você me desgoverna
me usa
como atriz
e no final da peça
diz que eu falei
porque quis

Você não sabe mais
de amor que eu
e se é tanto amor
pra que contar
nos medos o que foi
que se perdeu
nos medos, que se pode achar?

Você me desconcerta
me obriga a ser feliz
e quando eu faço a festa
você é quem primeiro diz

Que eu minto
finjo bem, até demais
que no que depender
de mim
o filme vai rolar, rolar
até a madrugada.

IDADE MÉDIA

Vamos marcar um encontro
num castelo medieval
onde é normal
esse clima de suspense
e a gente veste armaduras de metal

À luz dançante das velas
as sombras dos castiçais
as janelas altíssimas das torres
e o gemido das portas entreabertas

Nobre amor, tão cruel
a pedra desse anel
é o teu olhar

Nobre amor, por teu fel
pântanos de mel atravessar

O que me acalma os sentidos
é o som da minha própria voz
me convencendo é tudo
fictício
esse castelo é um edifício
onde não estou jamais.

FOME DE VIVER

Aqui o jogo é duro
tem coringa
tem direito a blefar
vale dopping de tudo
só não vale injetar
seu sangue em minha veia
se isso lhe incomoda
fique longe, caia fora
da minha teia

Seu texto não me convence
gosto de lhe ver chorar
seu crocodilo não morde
suas lágrimas não são amargas
amarras

Aqui o jogo é duro
um enduro pelo mar
pelo céu
no prazer de ver tudo
um descuido pode ser fatal
letal
no fim do arco-íris
tesouros e piratas

A melodia de sempre
a harmonia normal
natural, consequente
o difícil é ser igual
num lugar comum
simplesmente
tocar o barco
tocar o barco
aquele velho navio.

música incidental vapor barato

RITMO DO OLHAR

Vem das presas paralelas da serpente
essas gotas de veneno tão iguais
vem das asas, voo transparente
do olhar da gente

Do rugido dos leões, trovões
vem do eco das cavernas
que há em nós
ativando ondas
na garganta nossa voz

Criar, desde o nascer do sol
até o escurecer
de um azul mais ideal
ao brilho das estrelas,

onde se possa ver
crescer
o brilhos das estrelas.

ATENÇÃO

Atenção, atenção,
a qualquer momento
ele pode armar o bote
atenção, atenção...
como um inimigo
como um tigre
como um rifle
como alguém num “ringue”

Atenção, atenção,
a qualquer instante,
o vidro, corta o diamante
atenção, atenção...
ele se inventa e não se basta
ele se completa, mas se gasta

Ele deixa o mundo
curioso
seu repouso é guerra
sua paz
(não se iluda)
ronda os trilhos
em grandes plantações de naves
no céu.

Atenção, atenção,
menos de um segundo
leva pra explodir o mundo
atenção, atenção...
máquinas, ideias, bichos, flores
voam pelos ares
seus valores.

Atenção, atenção,
qualquer hora o grito
dentre eles mais sagrado
atenção, atenção,
como um hino, uma rajada
um palavrão
vibrará nos tímpanos da Terra.

Ele é uma fera
um furioso
causa um mal nervoso
e o prazer
(não se iluda)
seus limites
são os dogmas sagrados
sacramentos do poder.

RELIGIÕES

Milhares de judeus
concentrados no mesmo deus
e os ateus, cada vez mais realistas
comparam seus profetas
se insultam nos jornais
e se revezam nas capas de revistas

Católicos romanos
seus apóstolos, autômatos
compõem uniformes famílias
enquanto protestantes
com discursos redundantes
se elegem ditadores da vida

Não, eu digo, não
a qualquer religião

Os velhos orixás
invocados nos rituais
não acham mais
aquelas tribos perdidas
visões transcendentais
petrificando orientais
alienando os frágeis filhos de Krishna

Os moons, os reverendos
contatos extraterrenos
missa negra e outras alegorias
espíritos modernos
alquimistas psicóticos
me deixam completamente fria.

Não, eu digo, não
a qualquer religião.

As sinagogas, templos
as igrejas, os conventos, oráculos, mosteiros
as grutas, as salas, tabernáculos
as lojas, catedrais
são simulacros onde o povo se curva

Dos faraós a Zeus, mitos e bruxos
filisteus, escrúpulos divinos, príncipes
guias, exército ortodoxo
dos santos mais hipócritas
os cínicos dos últimos dias.

Não, eu digo, não
a qualquer religião.

QUE PASSA

Aqui entre ciganos
lendo a buena dicha
Que passa? Que passa?

O campo de lavanda,
o cheiro de alfazema
que passa, que passa.

O destino é como o vento
um pensamento, um outro lugar
brisa, imagem de um tempo
que pode chegar
que passa, que passa

Aqui entre ciganos
calculando a sorte
nos brincos de cristal
nas mãos
na noite
que passa, que passa.

A VOZ DO BRASIL

Primeiro incendiaram a floresta com napalm
dedetizaram as alfaces e o tomates
pincelaram nossa garganta com petróleo
nosso cérebro é agora o grande monopólio

Vamos indo muito bem de trens e tênis
pendurados a caminho do escritório
o progresso dessa fábrica é um luxo que se estende
e a fumaça é um colírio para os olhos

Aqui estamos, Alice
no país das maravilhas
e no meio dessa crise
cada qual é uma ilha.

Os ídolos nascidos nos complexos urbanos
filhos únicos de um lar publicitário
são criados à imagem e semelhança
dos humanos mas não usam nunca o vaso sanitário.

Estamos submissos à total incompetência
a falta de inteligência é um estado
absurdo planejado que consuma sua essência
na voz tensa de um locutor de rádio.

MEDALHAS

Carregada de medalhas
que ganhei em qualquer guerra.
Qual delas?
Todas típicas batalhas
insensatas, vãs e chatas
longe das estrelas
não valem nem o cenário
todo nylon, prateado
e as palavras raios laser
tantas naves e o controle
mais remoto de emoções
que eu nunca tive.

Acabei meio cansada
rei e rainha de nada
não quero
essas condecorações de lata
cristal, carne, terra, ouro, prata
nem ferro
de metal nem meu escudo
me defendo como posso
quando não posso, eu fujo
brilho agudo é o meu neon
na noite é sol, do sol
do sol, do sol, do sol, do sol
do meu escuro.

EU E O MEU MARIDO

Eu tive uma desilusão no amor
votei errado, e bem perto da praia
o trem saiu dos trilhos
62perdi no jogo meu iate e o seu
melhor adeus me pareceu
no fundo intranquilo

Por isso eu resolvi casar
morar num ap.
eu e o meu marido
ter um filho
pra depois amar
criar um Édipo complexo com o destino

Enlouqueci
perdi meu novo amor
caí do sétimo andar
não me equilibro
plantei café no dia
na noite geou
e esse vírus
dessa gripe é assassino

Por isso eu resolvi casar
morar num ap.
eu e o meu marido
ter um filho
pra depois amar
criar um Édipo complexo com o destino.

Não tenho mais o meu sexto sentido
e amanhã encontro às dez
com o diretor
minha guitarra tá com meu amigo
e nessa idade o perigo ainda
não passou.

Por isso eu resolvi casar
morar num ap.
eu e o meu marido
ter um filho
pra depois amar
criar um Édipo complexo com o destino.

PRIMEIRA VEZ

Não sei se vai ser sempre assim
mas quando ontem te vi
pela primeira vez
aconteceu dentro de mim
algo que fez

Meu coração se apaixonar
acender um tipo de luz
não sei se vai durar
pela primeira vez

A boca que é bem capaz
de um beijo eternamente louco
e você prometeu
com seus olhos de olhar demais
dentro dos meus

Eu vi o amor de toda cor
provei de tudo que ele faz
e acho que vai durar
pela primeira vez.

MANHÃS AZUIS

Quando eu me sinto assim
prestes a explodir
navio a naufragar
a boca aberta engolindo o mar
não quero estar só
nem quero seu amor
eu quero é ver
no fim do túnel
o sol
o sol das manhãs
mais azuis.

Quando eu me sinto assim
acabo por mentir
juro não precisar
de nada
que se esconde
em seu olhar
prefiro acreditar
em novas emoções
em menos dor
por mil razões
de paz
a paz das manhãs
mais azuis.

DOCE TAREFA

Você chega
e me beija
jura que não volta
vem e vai

Eu sinto uma coisa
tão intensa, imensa, mansa
pontual
ritmo, dança, cor, sequência
você me dá taquicardia
meu amor.

Olhos
fogos de artifício
tudo pra lhe conquistar

Doce tarefa
tão difícil
veneno, ácido, hortelã
gosto, som, silêncio e risco
você me dá taquicardia
meu amor.

CHANTAGEM

O beijo ou o riso
escolha, meu bem
que a última dor
parte agora
estamos em cima dos trilhos
e o tempo não para embora
essa seja a viagem de ida
sem volta, sem porta
partida
se eu perco essa dor
perco ainda
o que resta da festa
a paixão

Pense só por você e decida
esqueça o que eu quis perguntar
não leve em conta a despedida
e não ter outra vez pra tentar
enjoei de adiar nossa vida
de estar pressa de tanta ilusão
se há pressa na voz e na rima
é só cisma do meu coração.

Não é chance, ameaça, proposta
não é charme, nem obrigação
só cansaço do músculo
do braço estendido
da mão.

ALGUÉM QUE ANDA POR AÍ

Aí, quando eu pensei que eras
já história
passado do perfeito
Roma de memória
um filme que acabou
sem um the end
um bicho de estimação
de ninguém

Meu olho vê
meu coração
não desmente
meu olho vê

Os cacos que se colam
de repente
toda dor debaixo do mesmo
tapete
o beijo que a minha mão
nunca enxugou
de novo a vida virando
vida real

Meu olho vê
meu corpo inteiro
quente
meu olho vê

Cometa que ninguém
nunca vai ver
vontade de nadar entre as tuas
pernas nuas
correr de carro até a Califórnia
e te pedir perdão
pelo que eu não
vou fazer
agora.

Letra de Garibaldi Dantas

🎧 Tony Dumond | Universos

 

🎧 ESTAÇÃO IMAGINÁRIA

Esquecer, esquecer
e varrer da memória
com um sopro de vento
e um gosto de vitória

Não, não
não vou andar
não vou atrás
não vou brincar de esconder
lugares bran
constelações
não vou nem aparecer

Simplesmente estarei
junto a mim
na névoa
desse outono sem folhas
nessa estação imaginária
que é a Terra

{entre Vênus e Marte | amor e guerra}

🎧 Fábio Viana (em saudosa memória) 

🎧 DESCOMPROMISSO

Num cabaré na martinica
num banheiro de motel em Teerã
numa briga com a polícia
pelas ruas de Manhattan

Com a flor do sol na pele
pelas vias marginais
do outro lado da intriga
quem me cerca pode crer...

Que eu vou ceder, mas sem compromisso
pulando a cerca de improviso

Numa ilha grega, em Dallas
num palácio coreano no Seul
nas friezas do Aconcágua
na república da África do Sul

Numa fila indiana
no trem expresso pra Moscou
nas escadas, nas esquinas
que me espreita pode crer...

Que eu vou ceder, mas sem compromisso
pulando a cerca de improviso.

🎧 Kátia Virgínia | Dever de Cantar

🎧 Emerson Uray | Boas Novas, 1998 

🎧 OSSOS

Já me acostumei
a não ter você por perto
os dias são calmos
às vezes têm seu brilho
a noite são o frio e o calor
sem seu abraço
amores por acaso
e tudo aquilo que há de eterno

Já desisti de ter
sua boca na memória
os olhos sem mistério
um passado ainda novo
à noite quando sonho
são meus sonhos tão estranhos
e agora nos meus planos
o futuro é quase outro.

🎧 Gabriel Caminha

 

🎧 VELOCINO II

para Caetano Veloso

Sua música é
um transe ativo
onde me atiro ao ritmo
dos tambores
– quase apocalíptico –
semi-êxtase total
delírio explícito

Seu verso é como um trâmite
ilegal, malha sem lei
seus versos são espécie de céu
que imaginei

Sua voz não tem planos nem passado
não tem órbita certa
voa num trem
pelos trilhos, em espiral
como se o tempo imenso
não tivesse pressa

E você diz, desesperado
que compor na noite, no hotel
era tão necessário
quanto o toque mágico
do mágico
na aba do chapéu.

🎧 Kátia Virgínia | Dever de cantar

🎧 Emerson Uray | Boas Novas, 1998 

 

🎧 COLAR DE PÉROLAS

Um colar de pérolas
o coração arrebentado
cuidado, cuidado
pra não escorregar

O amor
depressa deu pra andar pra longe
ontem ainda lembro bem
não tinha essa
só queria vadiar
devagar

A noite crespa
e caracóis no mar
pensa, pensa que eu vou esquecer?

Paixão não dói
mas parte do que é ser
ser só
desaparece
mais tarde a tarde
cresce

Eu acho que vou
morrer de saudade
acho que vou morrer
de saudade
acho que vou morrer...

🎧 Emerson Uray | Colar de pérolas, 2009

domingo, 15 de maio de 2022

🎧 DOMINGO EM MARTE

Olhar do tipo impassível
e eu correndo perigo
de viver pra sempre
sonhos de domingo

Palhaços dando cambalhotas
vazios sacos de pipoca
e o sorvete caindo
em minha roupa nova

Esse delírio é a maior bandeira
paixão capaz de ver em qualquer dia
um domingo lindo blue
que não vai acontecer

E eu não quero nem saber
e eu não quero nem saber
e eu não quero
nem

É fantasia,
e eu com isso?
não vejo nenhum abismo
entre esse jeito de amar
e o meu próprio riso
eu quero mais é conviver
com o que é o que pode vir a ser
um mundo real com duplo sentido

Zoos, circos, praças, parques
milhões de diversões e chocolates
tardes de domingo em marte
eu e você

E eu não quero nem saber
e eu não quero nem saber
e eu não quero
nem...

🎧 Débora Vieira

🎧 O AINDA-MAR

Te tirar de mim
agora
arrancar
a própria pele
e num riso
sem destino
parecer alegre

Distrair
o corpo e a sede
entregar
o frio à neve
e na dor sem morte ou cura
parecer alegre

Há quem custe acreditar
o amor e-terno
sempre o mesmo antigo barco
o ainda-mar sem cais.

🎧  Renan Barbosa

🎧 FAZ DE CONTA

Faz de conta que é de noite
E os fantasmas, traumas
Arrastam correntes
Pelo corredor de luzes fluorescentes,
A sombra do nosso amor
 
E pra não morrer de medo,
Abra a janela,
Acenda um pouco a luz do sol,
Peça ao corpo
Um movimento brusco,
Um grito, um jeito de se libertar
 
Dance seus rocks diários,
Pratique a magia de exorcizar
E eu, o meu, o nosso amor
Possam talvez assim lhe abandonar
 
Faz de conta que o espelho
Não registra o brilho do olhar final
Quando a face parte e deixa
O improvável gesto preso no cristal
 
E pra ter certeza, volte
Veja que esse beijo é mesmo irreal
Cante em tom de esquecimento
Memórias ao vento
Que por bem ou mal
 
Hão de ser sempre fantasmas
Imagens diárias
Falhas do querer
E eu, o meu, o nosso amor
Possam talvez assim sobreviver.