Bem sei
que teu amor eterno sumiu
num vendaval
e a dor te consome
sem remédio, o peito a latejar
de dor que escorre no teu colo
travesseiro, teu lençol
Que sei dizer?
Nada que eu faça ou diga
vai trazer o sol que se escondeu
eclipse, tragédia e drama
tudo que habita tua cama
bem sei
Sei bem que teu coração é um portão
de aço, que a solidão é fácil
constante, dormes ainda
na única camisa que ficou
no cheiro que as flores têm
no desenho de um caminho.
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sem melodia - ainda
26 nov. 2021
Letras de músicas que compus, umas poucas em parceria, a grande maioria entre os anos 1980 e 1990. Todas as mais antigas têm melodia, mas, muitas, não lembro mais como tocar, apenas vivem na minha memória. Algumas foram gravadas e dá pra ouvir clicando no link no final do post 🎧 onde se pode ler o nome das/os cantoras/es e do álbum. E agora, novas estão por vir, estão vindo, com melodia, sem melodia, do jeito que for...
segunda-feira, 16 de maio de 2022
SEI BEM
SOLIDÃO DOS PORTOS
Na soma dos vazios
entre nós
nada se perdeu
Morei de favor
no quarto escuro
de seus olhos
por um dia, por um mês
que diferença faz?
Deixo o beco
desço a escada
com a roupa que cheguei
não levo nada
Nem lágrima, nem sorriso
sequer preciso de adeus
Em um futuro
talvez você
ao contar qualquer história
com esforço lembre
de meu nome tão feroz
Que apesar do esforço
firme e bem marcado
sempre foi pronunciado
sem sombra do que sou
Não importa
todo amor quando ele é dado
faz mais forte o coração
lava a solidão dos portos
Hei de cantar
a canção dos desatentos
em acordes sem lamento
uns maiores, uns de menos
um tom acima do que aceita
a garganta
Agora é noite
a lua sobe, o céu enfeita
se era estrela, se cometa
mergulhou pra nunca mais.
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sem melodia - ainda
30 nov. 2021
FIO
Não quero o fim
eu quero o fio
invisível que se tece
entre as retinas
Sem finais felizes ou infelizes
eu quero o fio
que antes de tocar
arrepia cada poro, cad a pelo
Não quero que termine
sequer sei se quero um início
eu quero o fio
sem desatar
Eu quero o fio que segue
teu coração a cada batida
do meu
não quero pensar
o que há depois ou antes
da matéria
Eu ouço tuas veias
sinto teu peso
vejo quem é você
e sei que não é um espelho
As flores que eu beijo
em pleno voo, vou até
onde não vejo
quem é você.
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sem melodia - ainda
31 dez. 2021
SEM MAIS
Não tem mais jeito
você pensou, mas errou
quando achou que eu ia
derreter, sumir, se livrar
de sentir, você errou
se imaginou que eu ia evaporar
que não ia sentir tanto assim
tanta saudade do que não
se deixa viver.
Não tem final
você errou, não tem fim
quando assumiu não amar
o meu destemor, meu amor
você errou ao apostar
que eu ia ceder, me armar,
se inventou que não havia
céu ou luar que fosse lembrar
de mim, errou.
Os pássaros ao amanhecer
refletem nas asas
as luzes do arpoador
são sinais ainda assim
do que não teve começo ou fim
terá, porque há de ouvir
minha voz ascender
e virar mel e jasmim
apavorar você, trazer paz
quiçá um novo coração
sem mais.
Sou capaz de arder nos seus olhos
e mesmo sem admitir
entrei nos seus mundos
por tantos portais
chego a dar mais,
dou mais do que quem
lhe deu tudo, somos iguais
quando os ponteiros
se encaixam nos décimos
de segundo.
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sem melodia - ainda
24 abr. 2022
FAZ FAVOR
Saudade boa
o coração à toa
ignorando quilômetros
o peito cheio de assombros
e quase paz
os olhos mareados
compreendendo o raro
Faz favor
não deixa quieto
alimenta o ritmo do afeto
me dá a boca
me olha
olhos de cobra e mel
deixa a palavra aflita
ganhar o mundo
e me diz
te amo.
PALMOS
Um palmo abaixo
do umbigo
um palmo à frente
do nariz
você enxerga
é seu limite
o resto é condição
Se você diz
que é feliz
só quando arranja
confusão
se seu amor
tá por um triz
quem desligou
a contramão?
Um palmo além
do que lhe digo
um palmo atrás
no pensamento
você não ouve
e o não havido
é outra direção
Se você move
um universo
a cada vez
que se seduz
se mora perto
de uma luz
quem desligou
os meus sentidos
Um palmo acima
desses versos
as plantas crescem
no jardim
você não vem
e eu não indo
é toda condução
Não pense
que não falo sério
só quando rio
é solução
se falo muito
e nada espero
só minto
e minto
sem razão
A emoção
é outro mito
outra abstrata
construção
Me desconstrua
com seu medo
e nada mais
será segredo
E tudo ao lado
da vontade
e nada mais
será verdade
e tudo ainda
será feito.
NÃO HÁ
Haverá diamante
que brilhe mais
que teu olhar?
Nem nas minas da África
nem no chão de Sabará
Haverá cetim ou seda
mais macia
que a pele
que te veste?
Nem no Leste
nem no Leste
E eu aqui fico rimando
a saudade com a vontade
de te ver
lembrando que bem cedo
logo quando o sol sair
vou partir
pra te encontrar
Haverá fruta madura
com o gosto
da tua boca?
Nem maçã, nem graviola
nem caju, nem araçá
Haverá cheiro de chuva
ou perfume do Oriente
como o do amor da gente
do amor da gente?
E eu aqui fico rimando
a saudade com a vontade
de te ver
lembrando que bem cedo
logo quando o sol sair
vou partir
pra te encontrar
vou partir.
BRUMAS
Vejo-me à luz das fogueiras
que ardem
marcando um novo verão
As cordas da harpa
vibrando
nos dedos da deusa
a mãe de Avalon
Uma ilha perdida
nas brumas do lago
que só se revela
a quem possuir
Os dons da magia
da sabedoria
Druidas e fadas.
CANÇÃO DO ESQUECIMENTO
Amei demais
podia até dizer
que não gastei
do coração
mais que uma
parte
Mas aí
eu mentiria
pois todo ele
bate agora
devagar
Ou mais depressa
enquanto te vejo
enquanto a boca
cale o que eu sentir
Palavras
todas
quase
no passado
ou no futuro
Distância
esse espaço aqui
não suportável
Um cosmo, caos
total
organizado
de acordo
com o rastro
de seus olhos
Se penso em morrer
um dia
por acaso
se nada mato
e amor ainda basta
Bastante tempo
ainda haverá
até que esqueça
e nesse dia
Então
total a perda
canção
de esquecimento
e esquecida.
VELOCINO V
para Caetano Veloso
O seu canto
é cada vez
mais uma
oração
Ao não
dito
ao não
dizer
o indizível
fala mais
ouço seu grito
ecoando
e ele diz
e não diz
não
Como a voz
se anjo
entre outros
tantos
torto
Se a voz
é luz
farol e porto
próximo e distante
o sol é onda
circulando
no seu corpo
O seu canto
é cada vez
mais uma
oração
Ao que quero
e ao que
não
procuro
o deus
em seu mistério
sonho inverso
onde vejo
e ele é
e não
é não.
VELOCINO IV
para Caetano Veloso
Nada mais bonito
emotivo
que ver quando sua palavra
abarca o ritmo
do universo
do eterno sismo
que abala o peito
A nau
caravela
argonauta sem trégua
terra, pra que te quero?
PRIMEIRO PLANO
O que eu tinha a dizer
o vento veio e cobriu
com seu discreto grito
suave
líquido
O que seria fala
o sol veio e levou
na sua língua de fogo
de manhãzinha
logo
O que eu tinha a dizer
o tempo veio
e partiu
levando em seu silêncio
a memória e o verso
O que seria dito
sem aviso
o mar tragou
deixando sal e pedra
na boca aberta
a espera
Não ousaria o riso
o histérico rito
a grande gargalhada
não trairia em gesto
a forma sutil
do medo
do nada
da alegria
calava
E calada
e calada e fria, fria
traço um plano
imagino um jeito
de nunca mais
dizer te amo
E calada
e mais calada ainda
enfrento esse fracasso
De mesmo calada
de mesmo cansando
repetir que amo
Tanto.
FACES
Quantas faces?
Tuas duas
mil
ora cão e enlace
e ao mesmo tempo
deus
e seus disfarces
pra ser logo eva
e homem
criação
linguagem
coragem
que se pinta
vai até o fim
O risco
é o que agrada mais
seu coração.
O risco
é o que agrada mais.
VELOCINO III
para Caetano Veloso
Doutor em assuntos
sem cabimento
costura um discurso
sem alento
em silêncio
Em complicadíssimas cenas
de casamento e ciúme
e tantas mais
Seus temas são serenos
e violentos
sentimentos
sem ódio
são atentas
todas as palavras
Seus temas são o pão
e seu fermento
Tem terra nas veias
e olhar de trigo
dançando
na paisagem do vento
Tigre
leão na savana
espelho de imagem
que se espalha
no tempo
Esfinge
marcando o deserto
e oásis
miragem
que eu simples
invento.
AFRODITE
Quase crise
quase hepatite
se você vai rir
não conto mais
Fiz plástica nos seios
nos quadris e no apetite
coitada da afrodite
que me viu
virou rapaz
Ando pouco louca
não venha me cobrar
razão
A roupa da imagem
pago à vista
digo aquilo
que me dá tesão
Quase gripe
quase meningite
se você vai rir
me deixe em paz
Sou plágio de mim mesma
sou artista que se assiste
e em pleno show desiste
quebrando a televisão
Ando muito louca
já basta de me dar razão
à margem do estilo
tido um dia de delírio
pra comer com as mãos.
TEIMOSIA
Foi pura teimosia
se eu disser que havia
nos seus olhos
desejo
no brilho amarelo
dessas pedras semi-
preciosas, mentiria
Lá não havia nada
que eu queria, viu?
Mas eu precisava acreditar
nesse amor
Não era guerra
entre o quente e o frio
escorria, pequeno
o beijo, o vinho, a fantasia
eu me lembro
Não houve nada
quando eu disse
o quanto amava, não,
por isso agora
essa canção
Pelo menos
inspiração
paixão sublimada
em palavra e melodia
lágima imaginária
desinventando a solidão.
TODO ME GUSTA
Essa postura além
do teu retrato
eu consigo captar
muito bem
a luva desenhada
a mão
a curvatura suave
do braço
repousado
o nariz arrebitado
Todo me gusta mucho
todo mucho me gusta
la luz allende del ojos
una barca em lejana ruta
E fiquei contrariada
olhando a foto
numa mesa de bar
depois da sétima cerveja
comecei a ter certeza
que não ia escapar
da tua boca
quase se movendo
o brinco estranho
o branco do blusão
o cabelo arrepiado
o queixo
levemente
apoiado na mão.
DISCURSO
Grite, cubra a cabeça
vire pro outro lado
esqueça
se quiser falar
me ligue quinta ou sexta
sábado tem uma festa
onde eu posso estar
Ou quem sabe algum garçom
num bar
lhe entregue meu bilhete
no jornal do dia sete
pode procurar
Tô na página classificados
tentando um rápido contato com você
meu nome tá codificado
pra ninguém mais saber
Diga tá tudo certo, chato, perto
de concreto o que eu posso fazer?
fora rir, sair na hora, voltar tarde
e sem memória um mês depois pra ver
Que o tempo tudo transformou
até a cor do seu relógio mudou
ficou mais difícil compreender o óbvio
Tudo é troco, troca, triplicado
complicado tubo de televisão
nosso amor já deu até no rádio
como um caso estranho de paixão.
SENSO DE EMOÇÃO
Já não existe mais
aquele tal parque de diversão
a essa altura todo humor, amor
mudou de cor
Já não faço rock algum
mal executo um iê-iê-iê comum
sem senso de emoção
O que era igual e um
partiu-se em mil
e nessa divisão
coube a você e a mim
a parte afim da solidão
Ninguém jamais reclamou
desde o início
o compromisso
era não ter
compromisso algum
Nossa história era um risco
uma pergunta a mais
uma proposta de riso
que já não se faz.
SENSO DE AMOR
Você está se divertindo comigo
que é que você quer mais?
Amor amigo
de nenhum compromisso
e pra mim tanto faz
Curtimos rock, um cinema, brilho
de olho no olho, mar
subterrâneos, trens de todos os trilhos
fugir na hora H.
Senso de humor faz nosso estilo
me responde o que você quer mais
o que tiver faltando a gente faz.
INTIMIDADE
Esquecer a data do começo
a cara, a voz, o endereço
é o avesso da paixão
Deixar passar em branco o aniversário
jogar fora o diário
em forma de coração
Rasgar em mil pedaços o retrato
aplaudir o fim do ato
esquecer que está no palco
que amou
Rir prensando um dia ter brigado
por ciúmes ter quebrado
seu relógio-rádio e despertador
Ser para você uma estranha
trocar o colchão da cama,
o lençol, o cobertor
por tanto pranto processar seus olhos
querer que indenize sonhos
que você mesmo sonhou
Queimar todas as cartas, os bilhetes
pra depois de alguns meses
ver bater de novo
forte o coração
pedir perdão então pelo desprezo
pra voltar mesmo com medo
é o aveso do avesso da paixão.
LIMITES
Que negócio é esse
de limites
que a vida nos impôs?
Bem me lembro
nasci livre
compromisso só
muito depois
Já virei, desvirei a mesa
acredito em superstição
e a bola de cristal
diz que eu preciso é de um beijo
Não desisto, insisto
todo dia
pra gente ser feliz
mas você não liga
eu me dano, eu me mudo
pra um outro país
E aí, quero ver você
seus limites e tudo mais
vão servir pra nada nãos
e restrições
e a bola de cristal
diz que eu preciso é de um beijo.
ARCO DO OLHO
Sempre alerta
é uma seta teu olhar no arco do olho
quando quer me fotografa o coração
nunca mágoa, água
nunca arco-íris
nunca lágrima de cor
quando é noite
dorme o sono mineral
das coisas livres
livres.
PLANOS DE VERÃO
Não quis saber jamais
da calma das estrelas
o que fascina mais
é o corpo em movimento
aos olhos do momento
no porto da cidade
do mar que cria à tarde
planos claros do verão
Eu mudo de emoção
no meio da tristeza
já não cabendo mais
o sol em movimento
aos olhos do momento
nos morros da cidade
de onde se tem à tarde
planos claros do verão.
PROHIBIDA
Eu sou errada
sou pecado, proibida
maçã mordida
e veneno, sou a morte
Hoje sou vítima
amanhã serpente
constelação de hidra
linda
armando a sorte
Eu chego perto
você eriça o pelo
a pupila se dilata
eu sinto um certo cheiro
É o medo misturado ao sangue
em sua veia, dose dupla, dupla e meia
de desejo
Eu tenho raça
nunca pulo do edifício por um riso
mantenho a calma
não apresso o passo até o precipício
A noite cresce fora desse quarto
a lua é um crescente branco
fico inteira dentro desse abraço
vidro, aço, fera, pássaro
feroz, manso.
PAR RARO
Morro de rir, morro de achar graça
Chegue aqui mais perto
mostre seu coração
que plástico mais fraco
que cor era o vulcão?
Não estrague a farsa
que acabei de tecer
Penélope no espelho
desprezando o prazer.
Ahahahahaha
Morro de rir, morro de achar graça
Vi aquela carta
quando caiu no chão
você é ás do truque sujo
e não vale um tostão
derretido plástico
não faço alusão
chiclete, black, par raro
na contramão
– Pare esse carro!
Morro de rir, morro de achar graça.
GARANTIA
Já deixei de procurar por mim
em todo coração
normal que esteja afim
de mais que possuir
alguém
trocar prazer, tocar a emoção
então melhor lhe dizer
Não
Vou sumir
vou estar sempre aqui
nem sempre tão normal
se você insistir
pode até ser cruel
ninguém vai garantir
que o bem é isso, assim
que é de outro jeito o mal
se é começo ou final.
SINÔNIMAS
Quando você não quer
não posso
se eu entrego
você dá
meu objeto é seu propósito
e há tanta música no ar
O meu perfume é o nosso
se eu tô pensando
você faz
você foge, eu me escondo
quero tudo
e você mais
Eu prefiro seu inverso
meu avesso é o seu ideal
aí eu acho o erro certo,
certo
Achar “O Quereres” bonito
ter prazeres tão iguais
os desejos tão sicrônicos
são sinônimo de-mais
Se eu me olho no espelho
você vem se refletir
seu grito no pesadelo
faz meu sono estremecer
Eu prefiro seu inverso
meu avesso é o seu ideal
aí eu acho o erro certo,
certo.
TAMBORES
Tantas manhãs iguais
repetimos demais
sempre as mesmas palavras
dizer
Corações colossais
nos desfiles de paz
são tambores reais
a bater
Esse papo é uma dança
dois prum lado, um pra trás
quem não dança se cansa
quem se apressa anda mais
Todos meros mortais
falhas de Deus e pais
separados pretendem viver
Entre e prédios a gás
são concretos casais
são bonitos demais de ser ver
Esse passo me cansa
o respeito, o sinal
quem se engana protesta
que se apressa faz mal.
TOQUE
Mais que qualquer coisa
quero dar um toque
antes de mais nada
quero lhe dizer
a gente já ultrapassou
a forma normal do amor
telepáticos, lunáticos
somos um só
Um total domínio
sobre toda imensidão
um controle que a gente exerce
sem saber porque
e você nem se tocou
que essa forma do amor
é onde não há mais nenhuma
solidão
Sem eu dizer
você ouviu segredos
seus medos, seus anseios
eu li, em algum lugar
e você nem se tocou
não há mais nada pra rolar
pra rolar.
MR. BROWN
Mr. Brown, Mr. Brown, Mr. Brown
tá na esquina de capote e de chapéu
pasta 007 na mão
um cigarro entre os lábios
um pé na parede, outro no chão.
Mr. Brown, Mr. Brown, Mr. Brown
sempre perfeito nesse seu papel
de agente federal, FBI e companhia
quem iria resistir à sua voz de prisão?
Mr. Brown, Mr. Brown
transformista em trânsito
transação
desfile de máscaras
tudo que entre aspas causa
sensação.
SAMBA-PROPOSTA
Escuta, me escuta
o que eu tenho a fazer
é um samba-proposta
é um samba que possa
na hora
da nossa
separação
dizer que foi tudo um engano
de público admitir que esse ano
ainda não deu, mas quando
For hora de vir, voltar
for hora de retornar
for hora de acabar
com esse adeus
eu não vou nem telefonar
eu vou fazer uma surpresa
Agora eu entendo
eu não soube fazer
talvez você possa
na hora
da nossa
separação
ouça
tente explicar
se faltam palavras
se tremo, me engano
se não tenho um plano
se amo, não amo
não importa
essa proposta
ainda estará no ar
Na hora de vir, voltar
na hora de retornar
na hora de acabar
com esse adeus
eu não vou nem telefonar
eu vou fazer uma surpresa.
VELOCINO I
para Caetano Veloso
Ele é um gênio
eterno senso de beleza
corre fácil os olhos
pelas folhas todas as certezas
faz tanta coisa pra brilhar-em
outras estrelas
Ele canta as vacas
as profanas
descobertas
o homem em pé
na lua
o menino na rua
ouvindo quase morto
o alto-falante, a Tropicália
o porto
de argonautas
celacanto.
Canta lindo a fé
e os males da Bahia
ele fala até
da seda azul que havia
vê os trens, a ganância
os normais
uns assim, outros iguais a mim
descobrindo à noite
o negror
da pena do pavão
Homem-tambor
antena e motor
retina atenta à luz
Apreendendo o momento
o movimento, a criação
sempre mágico imprime
ao fim da tarde um tom
de jambo, rouge, amora
quando canta se enamora
quase cora
de emoção
Sete, vezes sete mil, vez sete
sob o sol e a lua
a música doce e nua
onda de ternura
pelos campos
miúra apaixonado
em seu espanto
derrubando as cercas
todas as paisagens úteis
precisamos ser trust
precisamos trustes
precisamos ter que confiar
Hah!
E você ainda aí
dizendo shit
inconsolável
censurando a censura
Convencendo o tempo
com uma rima
se queixando às gueixas
às princesas
se entregando
ao vinho ao vício
das paixões
abrindo as portas
as janelas, labirintos
Tecendo o fio íntimo
íntimo entre os silêncios
e os sons
Querendo sem querer
querendo a lua
de outra língua
o brilhos além
shy moon
da lua tímida
Além dos limites da intriga
gossips, no!
Homem-comum
E eu nunca mais
iria terminar
“some may like a soft brazilian singer”.
O CULPADO É O MORDOMO
Você
só sabe ser assim
vive de fazer
aeromodelito
E passa
o dia no jardim
mangueira, sol
campim
você e seus brinquedos
Diz sempre não saber de nada
que já tá mesmo é cansando
e que o culpado é o mordomo
e o culpado é o mordomo.
Você
de óculos escuros
andando entre a fumaça
dos escombros do mundo
sobrevivente do futuro
imagem de estúdio
video-clipe, clip, clip, clip
Diz sempre que eu estou errada
regra é excesso de absurdo
e o culpado é o mordomo.
AQUI PRA VOCÊ
Você tá sempre
com essa cara de abuso
e eu me recuso
a ter que lhe aguentar
eu sinto muito
mas nesse parafuso
ninguém
ninguém
me obriga a entrar
Fale alto
quero ouvir direito
e não vale tentar
me beijar
aqui pra nós
pra todos os efeitos
sou imune ao seu olhar
Você nem sabe
e assim mesmo apaixona
atira bomba
no meu coração
também me quer
e fica com essa onda
a quem
a quem
você pensa que engana?
Fale alto
quero ouvir direito
e não vale tentar
me beijar
aqui pra nós
pra todos os efeitos
sou imune ao seu olhar.
MELODRAMA
Você me desgoverna
me usa
como atriz
e no final da peça
diz que eu falei
porque quis
Você não sabe mais
de amor que eu
e se é tanto amor
pra que contar
nos medos o que foi
que se perdeu
nos medos, que se pode achar?
Você me desconcerta
me obriga a ser feliz
e quando eu faço a festa
você é quem primeiro diz
Que eu minto
finjo bem, até demais
que no que depender
de mim
o filme vai rolar, rolar
até a madrugada.
IDADE MÉDIA
Vamos marcar um encontro
num castelo medieval
onde é normal
esse clima de suspense
e a gente veste armaduras de metal
À luz dançante das velas
as sombras dos castiçais
as janelas altíssimas das torres
e o gemido das portas entreabertas
Nobre amor, tão cruel
a pedra desse anel
é o teu olhar
Nobre amor, por teu fel
pântanos de mel atravessar
O que me acalma os sentidos
é o som da minha própria voz
me convencendo é tudo
fictício
esse castelo é um edifício
onde não estou jamais.
FOME DE VIVER
Aqui o jogo é duro
tem coringa
tem direito a blefar
vale dopping de tudo
só não vale injetar
seu sangue em minha veia
se isso lhe incomoda
fique longe, caia fora
da minha teia
Seu texto não me convence
gosto de lhe ver chorar
seu crocodilo não morde
suas lágrimas não são amargas
amarras
Aqui o jogo é duro
um enduro pelo mar
pelo céu
no prazer de ver tudo
um descuido pode ser fatal
letal
no fim do arco-íris
tesouros e piratas
A melodia de sempre
a harmonia normal
natural, consequente
o difícil é ser igual
num lugar comum
simplesmente
tocar o barco
tocar o barco
aquele velho navio.
música incidental vapor barato
RITMO DO OLHAR
Vem das presas paralelas da serpente
essas gotas de veneno tão iguais
vem das asas, voo transparente
do olhar da gente
Do rugido dos leões, trovões
vem do eco das cavernas
que há em nós
ativando ondas
na garganta nossa voz
Criar, desde o nascer do sol
até o escurecer
de um azul mais ideal
ao brilho das estrelas,
onde se possa ver
crescer
o brilhos das estrelas.
ATENÇÃO
Atenção, atenção,
a qualquer momento
ele pode armar o bote
atenção, atenção...
como um inimigo
como um tigre
como um rifle
como alguém num “ringue”
Atenção, atenção,
a qualquer instante,
o vidro, corta o diamante
atenção, atenção...
ele se inventa e não se basta
ele se completa, mas se gasta
Ele deixa o mundo
curioso
seu repouso é guerra
sua paz
(não se iluda)
ronda os trilhos
em grandes plantações de naves
no céu.
Atenção, atenção,
menos de um segundo
leva pra explodir o mundo
atenção, atenção...
máquinas, ideias, bichos, flores
voam pelos ares
seus valores.
Atenção, atenção,
qualquer hora o grito
dentre eles mais sagrado
atenção, atenção,
como um hino, uma rajada
um palavrão
vibrará nos tímpanos da Terra.
Ele é uma fera
um furioso
causa um mal nervoso
e o prazer
(não se iluda)
seus limites
são os dogmas sagrados
sacramentos do poder.
RELIGIÕES
Milhares de judeus
concentrados no mesmo deus
e os ateus, cada vez mais realistas
comparam seus profetas
se insultam nos jornais
e se revezam nas capas de revistas
Católicos romanos
seus apóstolos, autômatos
compõem uniformes famílias
enquanto protestantes
com discursos redundantes
se elegem ditadores da vida
Não, eu digo, não
a qualquer religião
Os velhos orixás
invocados nos rituais
não acham mais
aquelas tribos perdidas
visões transcendentais
petrificando orientais
alienando os frágeis filhos de Krishna
Os moons, os reverendos
contatos extraterrenos
missa negra e outras alegorias
espíritos modernos
alquimistas psicóticos
me deixam completamente fria.
Não, eu digo, não
a qualquer religião.
As sinagogas, templos
as igrejas, os conventos, oráculos, mosteiros
as grutas, as salas, tabernáculos
as lojas, catedrais
são simulacros onde o povo se curva
Dos faraós a Zeus, mitos e bruxos
filisteus, escrúpulos divinos, príncipes
guias, exército ortodoxo
dos santos mais hipócritas
os cínicos dos últimos dias.
Não, eu digo, não
a qualquer religião.
QUE PASSA
Aqui entre ciganos
lendo a buena dicha
Que passa? Que passa?
O campo de lavanda,
o cheiro de alfazema
que passa, que passa.
O destino é como o vento
um pensamento, um outro lugar
brisa, imagem de um tempo
que pode chegar
que passa, que passa
Aqui entre ciganos
calculando a sorte
nos brincos de cristal
nas mãos
na noite
que passa, que passa.
A VOZ DO BRASIL
Primeiro incendiaram a floresta com napalm
dedetizaram as alfaces e o tomates
pincelaram nossa garganta com petróleo
nosso cérebro é agora o grande monopólio
Vamos indo muito bem de trens e tênis
pendurados a caminho do escritório
o progresso dessa fábrica é um luxo que se estende
e a fumaça é um colírio para os olhos
Aqui estamos, Alice
no país das maravilhas
e no meio dessa crise
cada qual é uma ilha.
Os ídolos nascidos nos complexos urbanos
filhos únicos de um lar publicitário
são criados à imagem e semelhança
dos humanos mas não usam nunca o vaso sanitário.
Estamos submissos à total incompetência
a falta de inteligência é um estado
absurdo planejado que consuma sua essência
na voz tensa de um locutor de rádio.
MEDALHAS
Carregada de medalhas
que ganhei em qualquer guerra.
Qual delas?
Todas típicas batalhas
insensatas, vãs e chatas
longe das estrelas
não valem nem o cenário
todo nylon, prateado
e as palavras raios laser
tantas naves e o controle
mais remoto de emoções
que eu nunca tive.
Acabei meio cansada
rei e rainha de nada
não quero
essas condecorações de lata
cristal, carne, terra, ouro, prata
nem ferro
de metal nem meu escudo
me defendo como posso
quando não posso, eu fujo
brilho agudo é o meu neon
na noite é sol, do sol
do sol, do sol, do sol, do sol
do meu escuro.
EU E O MEU MARIDO
Eu tive uma desilusão no amor
votei errado, e bem perto da praia
o trem saiu dos trilhos
62perdi no jogo meu iate e o seu
melhor adeus me pareceu
no fundo intranquilo
Por isso eu resolvi casar
morar num ap.
eu e o meu marido
ter um filho
pra depois amar
criar um Édipo complexo com o destino
Enlouqueci
perdi meu novo amor
caí do sétimo andar
não me equilibro
plantei café no dia
na noite geou
e esse vírus
dessa gripe é assassino
Por isso eu resolvi casar
morar num ap.
eu e o meu marido
ter um filho
pra depois amar
criar um Édipo complexo com o destino.
Não tenho mais o meu sexto sentido
e amanhã encontro às dez
com o diretor
minha guitarra tá com meu amigo
e nessa idade o perigo ainda
não passou.
Por isso eu resolvi casar
morar num ap.
eu e o meu marido
ter um filho
pra depois amar
criar um Édipo complexo com o destino.
PRIMEIRA VEZ
Não sei se vai ser sempre assim
mas quando ontem te vi
pela primeira vez
aconteceu dentro de mim
algo que fez
Meu coração se apaixonar
acender um tipo de luz
não sei se vai durar
pela primeira vez
A boca que é bem capaz
de um beijo eternamente louco
e você prometeu
com seus olhos de olhar demais
dentro dos meus
Eu vi o amor de toda cor
provei de tudo que ele faz
e acho que vai durar
pela primeira vez.
MANHÃS AZUIS
Quando eu me sinto assim
prestes a explodir
navio a naufragar
a boca aberta engolindo o mar
não quero estar só
nem quero seu amor
eu quero é ver
no fim do túnel
o sol
o sol das manhãs
mais azuis.
Quando eu me sinto assim
acabo por mentir
juro não precisar
de nada
que se esconde
em seu olhar
prefiro acreditar
em novas emoções
em menos dor
por mil razões
de paz
a paz das manhãs
mais azuis.
DOCE TAREFA
Você chega
e me beija
jura que não volta
vem e vai
Eu sinto uma coisa
tão intensa, imensa, mansa
pontual
ritmo, dança, cor, sequência
você me dá taquicardia
meu amor.
Olhos
fogos de artifício
tudo pra lhe conquistar
Doce tarefa
tão difícil
veneno, ácido, hortelã
gosto, som, silêncio e risco
você me dá taquicardia
meu amor.
CHANTAGEM
O beijo ou o riso
escolha, meu bem
que a última dor
parte agora
estamos em cima dos trilhos
e o tempo não para embora
essa seja a viagem de ida
sem volta, sem porta
partida
se eu perco essa dor
perco ainda
o que resta da festa
a paixão
Pense só por você e decida
esqueça
o que eu quis perguntar
não
leve em conta a despedida
e não ter outra vez pra tentar
enjoei de adiar nossa vida
de estar pressa de tanta ilusão
se há pressa na voz e na rima
é só cisma do meu coração.
Não é chance, ameaça, proposta
não é charme, nem obrigação
só cansaço do músculo
do braço estendido
da mão.
ALGUÉM QUE ANDA POR AÍ
Aí, quando eu pensei que eras
já história
passado do perfeito
Roma de memória
um filme que acabou
sem um the end
um bicho de estimação
de ninguém
Meu olho vê
meu coração
não desmente
meu olho vê
Os cacos que se colam
de repente
toda dor debaixo do mesmo
tapete
o beijo que a minha mão
nunca enxugou
de novo a vida virando
vida real
Meu olho vê
meu corpo inteiro
quente
meu olho vê
Cometa que ninguém
nunca vai ver
vontade de nadar entre as tuas
pernas nuas
correr de carro até a Califórnia
e te pedir perdão
pelo que eu não
vou fazer
agora.
Letra de Garibaldi Dantas
🎧 ESTAÇÃO IMAGINÁRIA
Esquecer, esquecer
e varrer da memória
com um sopro de vento
e um gosto de vitória
Não, não
não vou andar
não vou atrás
não vou brincar de esconder
lugares bran
constelações
não vou nem aparecer
Simplesmente estarei
junto a mim
na névoa
desse outono sem folhas
nessa estação imaginária
que é a Terra
{entre Vênus e Marte | amor e guerra}
🎧 DESCOMPROMISSO
Num cabaré na martinica
num banheiro de motel em Teerã
numa briga com a polícia
pelas ruas de Manhattan
Com a flor do sol na pele
pelas vias marginais
do outro lado da intriga
quem me cerca pode crer...
Que eu vou ceder, mas sem compromisso
pulando a cerca de improviso
Numa ilha grega, em Dallas
num palácio coreano no Seul
nas friezas do Aconcágua
na república da África do Sul
Numa fila indiana
no trem expresso pra Moscou
nas escadas, nas esquinas
que me espreita pode crer...
Que eu vou ceder, mas sem compromisso
pulando a cerca de improviso.
🎧 OSSOS
Já me acostumei
a não ter você por perto
os dias são calmos
às vezes têm seu brilho
a noite são o frio e o calor
sem seu abraço
amores por acaso
e tudo aquilo que há de eterno
Já desisti de ter
sua boca na memória
os olhos sem mistério
um passado ainda novo
à noite quando sonho
são meus sonhos tão estranhos
e agora nos meus planos
o futuro é quase outro.
🎧 VELOCINO II
para Caetano Veloso
Sua música é
um transe ativo
onde me atiro ao ritmo
dos tambores
– quase apocalíptico –
semi-êxtase total
delírio explícito
Seu verso é como um trâmite
ilegal, malha sem lei
seus versos são espécie de céu
que imaginei
Sua voz não tem planos nem passado
não tem órbita certa
voa num trem
pelos trilhos, em espiral
como se o tempo imenso
não tivesse pressa
E você diz, desesperado
que compor na noite, no hotel
era tão necessário
quanto o toque mágico
do mágico
na aba do chapéu.
🎧 Kátia Virgínia | Dever de cantar
🎧 Emerson Uray | Boas Novas, 1998
🎧 COLAR DE PÉROLAS
Um colar de pérolas
o coração arrebentado
cuidado, cuidado
pra não escorregar
O amor
depressa deu pra andar pra longe
ontem ainda lembro bem
não tinha essa
só queria vadiar
devagar
A noite crespa
e caracóis no mar
pensa, pensa que eu vou esquecer?
Paixão não dói
mas parte do que é ser
ser só
desaparece
mais tarde a tarde
cresce
Eu acho que vou
morrer de saudade
acho que vou morrer
de saudade
acho que vou morrer...
domingo, 15 de maio de 2022
🎧 DOMINGO EM MARTE
Olhar do tipo impassível
e eu correndo perigo
de viver pra sempre
sonhos de domingo
Palhaços dando cambalhotas
vazios sacos de pipoca
e o sorvete caindo
em minha roupa nova
Esse delírio é a maior bandeira
paixão capaz de ver em qualquer dia
um domingo lindo blue
que não vai acontecer
E eu não quero nem saber
e eu não quero nem saber
e eu não quero
nem
É fantasia,
e eu com isso?
não vejo nenhum abismo
entre esse jeito de amar
e o meu próprio riso
eu quero mais é conviver
com o que é o que pode vir a ser
um mundo real com duplo sentido
Zoos, circos, praças, parques
milhões de diversões e chocolates
tardes de domingo em marte
eu e você
E eu não quero nem saber
e eu não quero nem saber
e eu não quero
nem...
🎧 O AINDA-MAR
Te tirar de mim
agora
arrancar
a própria pele
e num riso
sem destino
parecer alegre
Distrair
o corpo e a sede
entregar
o frio à neve
e na dor sem morte ou cura
parecer alegre
Há quem custe acreditar
o amor e-terno
sempre o mesmo antigo barco
o ainda-mar sem cais.
🎧 FAZ DE CONTA
E os fantasmas, traumas
Arrastam correntes
Pelo corredor de luzes fluorescentes,
A sombra do nosso amor
Abra a janela,
Acenda um pouco a luz do sol,
Peça ao corpo
Um movimento brusco,
Um grito, um jeito de se libertar
Pratique a magia de exorcizar
E eu, o meu, o nosso amor
Possam talvez assim lhe abandonar
Não registra o brilho do olhar final
Quando a face parte e deixa
O improvável gesto preso no cristal
Veja que esse beijo é mesmo irreal
Cante em tom de esquecimento
Memórias ao vento
Que por bem ou mal
Imagens diárias
Falhas do querer
E eu, o meu, o nosso amor
Possam talvez assim sobreviver.