quarta-feira, 27 de março de 2024

VIDA MINHA

minha vida
cara e pobre
vivo de comemorar
o que me falta
o que me sobra

a corda que o pescoço
corta
a lâmina a desafiar
o barro que ficou na sola
do pé
o acorde descabido
a fruta sem caroço

minha vida
farta e oca
tudo transformado em festa
o que me aperta
o que me solta

o riso na garganta
o ânimo de respirar
anéis de temperança
a insônia das ovelhas
malabar de estrelas

a minha vida
nova e velha.

terça-feira, 12 de março de 2024

DESPEDIDA

adeus, dor
me despeço, vou embora
não volto outra hora
saudades não vou ter

pr'onde vou
não deixo endereço
não quero nem mesmo
notícias de você

eu te pedi
tantas vezes
pra deixar
eu ficar só
com a minha solidão

se você me ouviu
não quis me atender
hoje sou eu
que deixo você.

domingo, 10 de março de 2024

OS FAMOS E AS CRONÓPIAS

os famos e as cronópias
distintos como as joias
as ruas e avenidas
por onde passa o galo
as frias madrugadas
calores e mansardas
coqueiros e aveloz
as crinas dos duendes
as famas e os cronópios
de repente

não mais que de repente
centenas e centenas
os anos são quinhentos e 20
ou mais
há quem os conte

assentos e acentos
os senhores e as escravas
os mucambos e as bengalas
os senegais de sonhos verdes
bem plantados
no chão há esperança
e os clichês na dança
dirreverência em reverências são

contados
palavras milionárias
que os velhos e empregados
as contenções, os afogados
o tamanho do frasco
perfumes que nos pratos
de prata escavada, moída, triturada
pelos dentes do trabalho.

o que significa o significado?
e antes
o quem? o enforcado?
a máscara de gás
que espécie de recado
as telas, as velas, os veleiros
os cruzeiros e os centavos.

canção desembalada
te ouço a cantá-la
pro teu avô mineiro
pra tua mãe baiana
pros teus primeiros e terceiros
tuas vidas, minhas aulas

assim te concretizo
sobrevivente e honesto
os teus pais tão paulistas
teu nome tão modesto

franciscos e franciscas
meu pai e tia xica
num bloco ornamentado
por palhaços e trocistas

o tempo nunca para
nunca para e para nunca

também se o tempo não tem graça
desgraça ele não tem
a hora a esperar e a trabalhar
sonha e sonha

os campos de açúcar
o mel a se derramar
de mentira em mentira
a tela, o dono, a dona sabe...

desculpas se atropelo
te peço antecipadas
as rimas não rimadas
novos e velhos, velhíssimos
novíssimos
carnavais.

nos roubam quando é noite
e fogem pelos cais
são pais e mães e mais e filhos e filhas
netas com açoites e noites
que ninguém dos deles
sabe vencer
porque é tal ganância
tão feias faces delirantes
as facas que se enterram
nos cabos dos punhais.

Aflitos e Olinda
os bairros e as esquinas
onde canta a madrugada
o dia a noite a tarde
o passo desaforado
a estica no pescoço
no pé da capoeira.

sai
vai
sai
sai
vai
esquece o imperativo
desanda a dançar
na rua sem motivo:
são carnavais.

raiz de povos fortes
mas os fortes e os canhões
as flechas e os tambores
que despertam as manhãs
sobreviventes todos
dinossauros e ancestrais
os cantos que não se escrevem
se repetem e se escrevem
na memória
olha o pro céu e esquece:
é carnaval.